domingo, 16 de agosto de 2009

Oitava Parte

Narração implícita de pensamentos póstumos

Respeitável público! Esta começando mais um espetáculo deste irreverente circo. Devem estar a se perguntar o porquê de um simples palhaço ser o mestre de cerimônia. Vou adiantar-lhes que se esperam ver os triviais números, inclusive aquele que me foi atribuído, dirijam-se imediatamente a bilheteria para serem ressarcidos. O show hoje caminhará por um perfil diferente, o perfil das anedotas, dos épicos, ou até mesmo da fofoca. Tudo isso dependerá exclusivamente do julgamento pessoal de cada um. Mas devo acrescentar que isso pouco me importa, afinal eu sou a piada e não o público. Comecemos.

Era um extenso reinado divergente em ruínas, mas convergente no caos de um selvático jardim de babel que o usurpou. Com olhos turvamente avermelhados que carregavam consigo um olhar indireto e doente, observava o elefante, ser que um dia já foi rei, o seu reino em destroços. Sempre deitado em sua particular letargia. Acresce-se platéia que para tal ser deitar-se, é um fato, no mínimo, preocupante. Mas devem indagar qual razão que levou o fim a esse animal. Bem, em um passado não tão remoto, quando este possuía a nítida onipotência do seu ser- altura colossal; pele espessa e acinzentada como uma armadura de metal; patas de pilares grandes e vertiginosos; presas de um marfim reluzente; orelhas intimidadoras e olhos, sim, seus olhos: paralisantes esferas negras, capazes de sugar a luz com o simples olhar-, o cotidiano lhe mostrou que havia algo faltando nos domínios do seu pomposo reino. O elefante morava sozinho, como os machos de sua espécie, essa já extinta, pois ele foi o único que restou. Pensou então em plantar um jardim, mas não um jardim qualquer. Deveria ser um jardim digno de reis e deuses. Ouviu falar que o homem possuía a sabedoria necessária para o faraônico projeto. Mesmo sabendo da natureza humana, não deixou de contratar seus serviços. Comprou as sementes, eram nove no total e com o descer da primeira chuva, seu sonho se concretizava. Brotou com tamanho ímpeto e seiva que, dentro de pouco, era a mais vasta, folhuda e exuberante criatura do mundo.

Nascia uma vida de delícias, prazeres e agitações alegres. Mas digo-lhes: Ninguém se firme na felicidade presente, pois nela há sempre uma gota da baba de Caim. Tic-tac: O jardim se multiplica pelo castelo. Tic-tac: O jardim funde-se harmonicamente ao castelo. Tic-Tac: O jardim deteriora o castelo. Tic-Tac: O jardim tragou o reino para si. Era chegado o término.

Desculpem as lágrimas, pode não parecer, mas a empatia habita meu coração. Mas quem se importa com as lágrimas do palhaço?Quem se importa?Ouço objeções da platéia: “Eu me importo... Eu me importo”. Pode ser que agora sim, mas no fim do espetáculo, no acomodar de suas camas, acordarão com o olhar voltado novamente para seus próprios narizes. É simples digníssima platéia: O homem tem o egoísmo como sua segunda pele e a hipocrisia como seu hediondo vício. Não se aflijam, há máscaras para esconder meu rosto imundo.

Todo fim antecede um novo começo. Disperso-me temporariamente para que o clímax comece, junto a direta vida que dou aos personagens.Conheçam o monkey man.

-Nuvens revoltosas pintadas sobre uma abóbada que passeia entre o vermelho e o alaranjado. Deus se tu moras aí, como posso chamar tal imagem de Céu?
-A natureza apenas sente-se benevolente a ti.
-Tanto tempo trancafiado pela minha própria loucura depreciadora que agora me faz parecer ouvir vozes.
-Então abre a janela da aceitação e deixa a restauradora brisa da lucidez nutrir teus sonhos e aspirações. Sente o primeiro raio-de-sol tocar a instabilidade das tuas impressões e a presunçosa lembrança dos teus afetos. Pois cada estação da vida é como uma edição, que corrige a anterior, e que será corrigida também, até a edição definitiva, que o editor dá de graça aos vermes.
-Quem é você?
-Apenas um velho monkey man que te observa com minúcia.
-O que você quer?
-Não use dessa miopia intelectual para discernir os fatos. Quando nos conhecemos e trabalhamos nossas deficiências, a persistente capacidade de ora simplificar, ora complexar os fatos , se equilibra.
-Não percebe que não tenho nada?Só esse jardim que há anos tento cortá-lo, queimá-lo, mas ele sempre renasce para me consumir.

-Escute-me. Não caminhe para essa rua, há sempre um fim ao percorrê-la. Venha ser livre, você sabe quem eu sou. Não se esqueça que você ainda pode ser O MELHOR.
-Mas eu não tenho nada.
-Então também não tem nada a perder. Todos nós podemos ser livres. Talvez não com palavras, talvez não com o amor, mas talvez com sua mente
. É essa que alimenta a seiva do teu jardim, é esse que te mantém estagnado no ponteiro do pretérito, na ampulheta do anacronismo.
-Conheci o amor aqui, aprendi a amar aqui. Não posso.
-Eu vi o amor multiplicar a miséria, e vi a miséria debilitar o homem.
-Onde?
-No reflexo dos teus olhos.
-Eu não posso abandoná-lo, ele foi meu jardim, meu tudo!
-Exatamente: Foi. Mas também foi o produto da conduta humana. Olha teu reflexo nestes espelhos de águas sujas. Não vê que se cobre com um lençol do vazio?Não vê que se torna um peso morto no mundo à espera da última reciclagem?Prefere continuar a bater inoperantemente suas asas sem levantar vôo?
-Eu não sei o que fazer.
-Um “sim” em aceitação e uma “boa sorte” em conclusão, seriam um inicio satisfatório.

Caminharam juntos por um tempo. O monkey man a observar os olhos do elefante. Olhos pretos e tranqüilos, pouco turvados com um olhar direto e são. Carregavam ainda uma expressão de edições passadas, mas isso é efêmero. Efêmero como a vida. É assim admirável público que termino esse espetáculo. Fim.

-Ma-ma-mãe. O palaço disse fiiim? Indagou o jovem garoto.

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