sábado, 28 de fevereiro de 2009

O último trem


O variar dos passos não abafaram nossas vozes.Havia muitas pessoas, um aglomerado de seres e cores a espera de outros que estavam por vir e daqueles que na hora partiam.Eu e ela, sentados em um banquinho estreito,moldado somente para nossos corpos.Eu a escutava e ela esforçava-se para entender a ponderação do meu falar.Que identidade foi essa que construímos?Um julgamento pessoal de ambos não seria capaz de caracterizá-lo,embora fosse isso que se tentasse.

O consenso foi responsável por embarcar as palavras,mas esse ainda não era o trem que esperavamos.Ainda bem que não,mas ele chegaria, e quando chegasse, seria o fim.Abracei-a então,cingi-a ao meu peito, sentindo sua inocente pele tocar a minha egoísta escama.São em momentos como esses que os paradoxos homogenizam-se num único elemento indescritível,perdendo momentaneamente sua forma e verdade. Imagens de momentos reais já passados e de um possível futuro imperavam em minha mente, trazendo o caos contido no voar da borboleta.Ouvi o trem chegar, meu coração disse não!Por favor...não! Um adeus eu ouvi,não foi áspero nem trivial,apenas sincero.

Caminhava ela em direção aquele trem, com seus cabelos vermelhos,tão vermelhos.Seu sorriso jovial e resplandecente ia embora para sempre.Oh, minha garota tupiniquin.Eu deveria ter implorado que ficasse, deveria ter dito as 5 palavras de um frânces desesperado,mas já era tarde.E ela se foi,se foi para sempre.Queria que ela tivesse visto minhas lágrimas,estas que apenas queriam se despedir demonstrando que sim, que as vezes eu a amava.Mas peço desculpas mais uma vez se não estou apaixonado,isso não quer dizer que meu coração esteja quebrado.

O tempo de semear os amores já passou,agora aproveito sentado no meu Lugar o sabor dos frutos dessa colheita.

If i don't believe in love you're too close to me and that's why you have to leave.
If i don't believe in love you're too good for me.

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

O meu lugar


O Destino me faz pensar que o controlo, dando-me aquilo que preciso no momento.Mas é tão pouco.Há ocasiões que a abundância nem sempre representa real preenchimento.



Era um dia como outro qualquer, a totalidade estava exatamente no seu devido lugar: A terra realizava sua rotineira rotação, sua anual translação, estática e imperceptível em toda a Via Láctea.Acresce-se a tal estado, as construções e sequelas do ódio e ambição dos residentes desse planeta.Mas dentre todos esses seres, um deles se perguntava,questionando-se o que seria mais importante para ele.O momento tendia para o regozijo em grupo, mas ele preferiu ficar sozinho,sentado em uma livraria a ler sobre uma recente projeção cinematográfica nazista.Finas listras azuis num fundo cinza, como um céu nublado que um dia ele disse ter marchado, com um plano branco que em pouco tempo ele iniciaria a repintá-lo, essas eram as cores representativas de suas vestimentas.

Entorpeceu-se num ambiente underground nunca visto antes.De um repentino e cômico encontro, surge naquele ambiente um homem de camisa vermelha, de falar engraçado,mas envolvente.Um típico francês extraditado no Brasil que se apaixonou em Marseille.Despertamos o riso sobre a minha inexperiência e de todo aquele conhecimento que tanto me interessou, que tanto me cobiçava.Até que então ele me falou da minha inclinação. Foi o marco histórico para o engatinhar de um novo sonho, que já tivera saído dessa úmida e tediosa caverna platônica,porém encontrava-se na entrada, a um último olhar adentro.



Por muito tempo me vi acorrentado por esse cárcere pessoal, em que cogitava que o aconchegante barulho que resultava entre a fusão do fogo e da lenha, aconchegava-me nessa depressiva particularidade.As alegorias passavam, transpassando para a parede da caverna suas imagens distorcidas,sombras do verdadeiros seres que eu nunca chegava a conhecer.Nutriram minha vaga imaginação, estagnando-me igual a um musgo no verão mediterrâneo.

Da mesma trivialidade do dia que já foi citado, passáros surgiram para cantar sobre o mundo real,dispersando toda aquela ilusão num último bocejo tedioso.



O caminho que percorri para chegar aqui não tem relevância para esta ocasião, este,Ela,Ele e os demais já foram citados numa outra dimensão extratextual.Estou aqui neste lugar, no meu lugar,vivendo uma relação que antes era local-local,mas agora passa a ser local-global-local. Tento equalizar a onda impetuosa de objetividade necessária com a jovem subjetividade que amadurece a cada amanhecer.Luto para que essa aberração artificial humana não invada a terra,deformando aquilo que tenho como mais profunda essência.Vou inventar o meu próprio pecado, o meu mal necessário.



quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Is This Love?

Entrei naquela usual lojinha de vitrine aquarelada no qual costumava ir quando mais novo.Tinha mudado muito desde da última vez que passei aqui.Está mais moderna, embora não tenha perdido a rústica sutileza que a torna graciosa.

Entrei a procura de algo novo.Esse algo não tinha nome, forma e nem muito menos dava indícios do que poderia ser.Analisava cada pratileira e seus respectivos objetos.Tocava-os,cheirava-os,mas nada consistente era sentido.Decidi pedir orientação a vendedora.Esta apontou-me o local onde, segundo ela, era "o ponto em que o primeiro raio de sol toca o rosto do insone que o anseava." Só compreendi tal metáfora quando a vi.Surpreendentemente parada, a olhar-me como a musa do Louvre.

Perplexo estava, perplexo continuei.Permanecia linda a minha bonequinha de pele alva e cabelos intensos de um vermelho vívido.Perpassa junto a essa inércia física um trem de perguntas em que o "como?","quando?" e o"por quê?", são apenas os primeiros passageiros a saltar,mas "achei que ela tivesse sido vendida" e "ela não tinha fugido com o soldadinho de chumbo?" decidiram continuar a viagem, parando no terminal chamado "isso não importa mais".

Ao aproximar-me, cantou seus fardos e um êxtase ecoou entre uma multidão de indigentes que culminavam na minha identidade.Na nossa identidade.Que dilema dessa garota tupiniquin, presa em uma roleta russa de festim.

Vou lançar-te um feitiço minha pequena sereia,mas diferente da fábula, tua voz continuará a me entorpercer e o meu falar a sustentar o teu caminho.

Entrei nessa loja a procura de algo novo,mas acabei achando um expressionismo ideológico que desafia minha meninice anacrônica.

Is This love?Or should i close the door?


sábado, 14 de fevereiro de 2009

O Bardo Irlandês

Pele gélida de respingos solares como o fim do inverno túndrico,profundos olhos contornados pelo presságio da velhice,cabelos de um ferro negro em contínua oxidação.De arquétipo jocoso, nos intriga com todo seu surreal timbre melancólico.Como ele consegue brincar com a hipocondria sem se ferir?

Aí vem o Bardo Irlandês,caminhando sem sua perífrase Sancha,mas com seu intríseco violão.Marcha sob um espreitante luar amareleciador,em uma ruazinha de pedras com aparência medieval.Há casas e casebres,todas de um rústico exarcebado,pois mais parecem um sepulcro abandonado a uma moradia humana.

Posicionou suas mãos,contornando-o.Com a precisão estratégica, iniciou o vibrar harmônico das cordas,atrelando-as a seu canto.Canto de fados tristes.Luzes se acedem, uma por uma, casa por casa, a fim de dizer que ainda há vida nessas tumbas.Repentinamente a ruazinha de pedras com aparência medieval ganha o fogo da inquisição.Atenção moradores!Seu carrasco já começou a cantar.

São duas garotas de mesma forma,mas de essência heterogênea, as primeiras a sair."Quem é ele?!", sussuram as Gêmeas que pensam demais.Na casa adiante surge um velho exasperado. "Quem é você", pergunta o Velho saciado.A música simplesmente continua.Ao lado da casa deste, surge um garoto de seus 14 anos, enrolado a um lençol.Cães ladram, mas a Mãe e o bebê apenas observam tudo do seu árido quintal, ao lado da casa das Gêmeas que pensam demais.

-Ora, ora se não é aquele velho ranzinza.É impressão minha, ou ele chora?!
-Nós não temos nada com isso, deixe-o em paz.
-Nada disso, venha comigo.
-O que você vai fazer?
-Atravessar a rua e vasculhar a mente desse velho.

Um olhar que carrega a imensidão do vazio.Não, essa só é a mascara que ele usa,aos poucos se quebra.A música é encarregada desse mal.Mal?Ou será bem?
-Um brinde querida.Um brinde para você e seu amante.Esperei anos por você.Você me deu três cigarros para eu parar de chorar. E eu morro quando você menciona o nome dele.E eu menti!Bem, eu não sei se eu estou errado, porque ela acabou de ir embora.Um brinde à outro relacionamento
bombardedado pela minha doente raça de gametas.Eu tenho certeza que quando eu for mais velho, eu vou saber o que isso significa.Chorei quando ela deveria e ela riu quando ela pôde. Um brinde ao homem com a cara na lama.
-O que ele esta dizendo?
-Não sei!Deve ser mais um surto intimista.A idade ajuda nessas questões.
-Deuses,você é escrota!
-Então vovô, o que faz ela vir?E o que faz ela ficar? O que faz o animal correr, correr pra longe?O que faz ele cavalgar, o que faz ele permanecer?
E o que agita o elefante agora?E o que faz um homem?
-Eu não sei, eu não sei,eu não sei.Não,não,não...Eu não sei se estou errado, porque ela acabou de ir embora. E eu fugi porque pude.
-Muitas opções podem matar um velho.
-É verdade, mas eu sou o professor e sinto que deveria saber.Inferno! Eu não conheço mais você!
-Pare com isso! Não percebe que é uma peregrina, vivendo na indigência de um cuco?Daquela ave parasita que injeta o veneno da morte programada nos lares alheios?Venha irmã,não me rejeite e seremos felizes.

Pobre garota,pobre Sandice, chora como uma mãe que ao perder o segundo filho, espera que as lágrimas a consolem. E mais um Babel desaba, se o chorar da Sandice já é extraordinário, imagine ver o Garoto enrolado ao lençol ser visto com frio, sem ele. Com olhos grandes curiosos, aproxima-se dele uma das Gêmeas que pensam demais.
-Não se segure dessa maneira.Você machucará os seus joelhos.Beijei a sua boca e costas,isso é tudo que eu preciso.Não construa o seu mundo em volta,vulcões te derreterão.
-O que eu sou para você, não é real.O que eu sou para você, você não precisa.O que eu sou para você, não é o que você significa para mim.Você me dá milhas e milhas de montanhas e eu pedirei o mar.
-Não arraste o meu amor em volta,vulcões me derreterão.

A Mãe e o Bebê permaneceram estáticos todo esse tempo,apenas observando."Cabelos dourados, olhos de mel, branca como um inferno em NY, eleita a mais bela de todas",Somente uma mulher saberia descrever esse momento,por isso que o adjetivo apenas como solene.É, chegou a hora desse solene momento.
-Vá meu filho, precisa disso,pois vejo que a indiferença não mordeu seus pensamentos ao ponto de tornar seu sono sem sonhos.

"Mas os cães ladram", pensa o Bebê.Em subsequência vem a resposta: "Deixa ladrar os cães".Então caminha ele, com suas perninhas, dando os primeiros passos, esforçando-se para não cair,para não tropeçar.Olha para trás e vê sua mamãe a chorar.Ele sabe que essa demasiada dor fara bem a ambos."Apresse-se", pensa ele,afinal se não correr o Bardo Irlandês dobrará a rua e será o fim. Por ironia do destino, ou simplesmente por vontade minha, ambos encontram-se.O Bardo para o caminhar, mas não o cantar,agora apenas para de manusear seu violão.Olha fixo para o Bebê, assim como este tambêm faz.Nosso pueril humano tenta balbuciar suas primeiras palavras:
-P...
Desculpem a interrupção,mas uma francesa uma vez me disse que o sofrimento nos ascende ao sublime.É verdade,mas somente quando o superamos.Por isso termino esse conto com vinho francês e queijo:
-Pourquoi viens-tu si tard?

domingo, 8 de fevereiro de 2009

O novo desfilar dos passos



Havia um campo límpido e plano no início da era.Sobre um sol motivador planejei a construção de um reino onde o amor reinaria.Neste mesmo dia, tinha partido de casa,mas desta vez para sempre.Só não imaginava que a baba de Caim espreitava meus planos.

Usei um papiro de expectativas e a tinta da imaturidade para arquitetar meu reino.Aos poucos o fui edificando com pedras de ilusão.O trabalho foi árduo e a medida que o continuava minha razão se exauria. No fim da obra, contemplava, a meia noite, um sol e o fim do meu ser.

Ouvi dizer que a incoerência tinha se casado com a mentira.Felizes eles sejam! E foram,depois de usurparem meu reino,depois de me aprisionarem num cubículo espelhado em que abutres vinham devorar-me a carne, lamber meu sangue. "Senti-me só, fraco e sujo".Ciúme,frustração e egoísmo.Malditas aves! Minha essência fluía,efusiva e gasosa, exposta como meu frágil esqueleto,mas que ainda me sustentava.Quanta dor.

Braços pequenos,dedinhos minúsculos com um sorriso incompleto,mas tão feliz.brincava com seu quebra-cabeça pedagógico.Tinha uma venda branca como leite,como a luz que nascera dentro da minha mente e me cegou.Não sabia falar,mas seu olhar me dizia obrigado.Encaixou a última peça com ar de aceitação .Aceitação de amigo.Chamava-se sonho.

Uma enchente de lágrimas epifânicas levaram aquele inferno pessoal consigo.Vejo-me metamorfizado em uma ave solitária.Conhecendo o mundo e aprendendo com ele.Sozinho, mas feliz.Essa é minha inerência.