domingo, 19 de abril de 2009

Aí vem a tempestade

Ocorreu-me um sonho. Era em um plácido mar aberto, onde estava ancorado meu veleiro. Dizem que ele era uma antiqüíssima embarcação portuguesa que foi restaurada em meados da década de 90 por um casal de apaixonados. Lenda ou não, o minimalismo presente em seus detalhes e o cheiro do amor deles ainda perdura na embarcação. Contemplava a beleza daquele céu, parecia até que ele me convidava para voar. Sabia que tinha sido edificado por anjinhos travessos que brincavam ali todos os dias. Que nuvens saborosas tinha, pedaços de algodão-doce em forma de elefantinhos, mergulhadas em uma azulada calda de chocolate. Mas veio a neblina esfumar meu paraíso.

Estou a fitar o horizonte, este se abraça com nuvens negras e pesadas que pressagiam uma tempestade iminente. Vejo-me em pé no meu veleiro, defronte ao timão, segurando-o firmemente. Luvas me foram calçadas, assim como também uma capa me foi abotoada. Meu rádio não funciona e o oceano esta a borbulhar. Encontro-me em meio a um vazio de ondas épicas, circundado por uma feroz realidade que me amedronta.

Eu não sei velejar!Mas meus instintos e lembranças me provam o contrário. Isso é um sonho. Isso é só um sonho, certo? Seguro o timão o mais firme possível.

Sei onde estou, pode parecer que me tornei um mero espectador errante, mas ainda seguro o timão. A chuva fina se inicia, mas não tarda muito para que milhares de agulhas cubram o céu. Venham espasmos viscerais, venham difundir o medo em meu corpo como um estopim. Sucessivamente a força das pernas começam a se exaurir e esta a ceder. O vento cortante congela meu cansaço, adormecendo meus sentidos diante das duas fúnebres realidades que se colidem. “Delta Charlie Delta, Delta Charlie Delta”, o rádio volta a funcionar repentinamente.

J'ai essayé, j'ai essayé. Mais j'ai le coeur sec et les yeux gonflés. Et si j’ai le coeur sec et les yeux gonflés? Comme la pluie nous manque parfois,comme les forces nous manque parfois.Laisse aboyer les chiens mon préféré .Parce que c’est la vie,c'est ton inventaire.Maintenant,tu dois marches à La rue.D’accord?À La rue.

A manobra é lenta, mas eficaz. Consigo não me deixar ser ludibriado pela imprevisibilidade dos ventos. Afasto minhas pernas e as enraízo no convés alagado. Posiciono o barco no caminho do horizonte, por mais gigantescas que estejam às ondas, o leme ainda se mantém dentro do mar. O fragor deste não me assusta mais, muito menos o fremir alarmante das velas. Vou assim, cavalgando pelas montanhas do oceano até chegar onde devo.

Quando eclode a tempestade cada um age de acordo com sua natureza. Sei que quando atravessá-la, experimentarei uma sensação de realização, como uma ressaca a longa viagem que termina e o descanso necessário para a nova que se iniciará. Provavelmente depois de atravessar essa fria cúpula plúmbea de nuvens selvagens, eu desembarque na cidade onde tudo começou.

À La rue

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