sábado, 30 de maio de 2009

Maria.


De jeans e camiseta, cabelo preso, aos gritos de “Pega, mata e come!”, Bethânia já foi musa da esquerda, tempos do show Opinião. Graças ao acaso- se acaso existe, e não desino- que trouxe a menina Berré de Santo Amaro da Purificação, Bahia, para os palcos do centro do país, indicada pelo irmão Caetano Veloso. Peruca canecalon, coberta de colares e pulseiras, gestos claros, recitando Fernando Pessoa e Clarice Lispector- Bethânia foi musa. A voz muito grave, sussurrando versos sensuais, embalou os amores de casais pelos motéis, rivalizando na venda de discos com o rei Roberto Carlos. Prendeu, soltou os cabelos,calçou,tirou os sapatos, largou as gravadoras comerciais, no auge do sucesso, trajetória inversa, tornou-se independente: conquistou o direito de gravar o que gosta, num repertório coerente e fiel à musica brasileira.

Foram muitas Bethânias nesses mais de 20 anos.Ou era uma só? O escritor Júlio Cortázar, fã confesso (não fosse um iniciado em magia), afirmava que Bethânia e Caetano são uma única pessoa: yin/yang, homem/mulher, Oxóssi/Iansã. Foi muito in, ficou inteiramente out - até ultrapassar as divisões maniqueístas dos manipuladores da opinião pública para ocupar esse lugar muito especial só reservado aos mitos. Bethânia, deusa guerreira de espada em punho e voz rouca, inconfundível, procurando sempre versos que falem às emoções dos apaixonados. Gosta-se dela como se cai em estado de paixão: Além de qualquer razão.

E bela. Bela de um jeito que não é comum ser bela, cantora como não é comum ser cantora - nesse desregramento de padrões estéticos, Bethânia funde a aspereza de onde começa o Nordeste com o requinte dos blues de uma Billie Holiday. Cantora diurna das terras crestadas pelo sol, mas também noturna, dos lençóis de cetim úmidos de suor e amor, transita numa carreira de impecável coerência com sua própria criatura: dividida em mel e espada. Padroeira dos apaixonados, também divididos entre o mel do perdão e a espada cortante da vingança. Dessa extensa legião, Maria Bethânia é a voz mais fiel.

Texto de Caio Fernando Abreu, extraído do LP “Maria Bethânia Personalidade”.

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